sexta-feira, 12 de setembro de 2014

DEGUSTAÇÃO - SENTIR OS AROMAS DA CERVEJA

Aroma é um dos atributos que nós avaliamos ao provar uma cerveja. E, como já dissemos, nosso organismo é capaz de sentir milhares de aromas e muitos deles estão nos diferentes estilos de cerveja. Alguns deles são sensacionais. São de fazer malandro ficar de bobeira – estou muito carioca enquanto escrevo.
 
Segundo a professora Amanda Reitenbach, 80% das nossas impressões sensoriais são guiadas pela percepção do olfato e a forma como memorizamos os aromas difere muito da que utilizamos para outras coisas.
 
Os odores chegam ao nariz e afetam receptores olfativos presentes na membrana mucosa da cavidade nasal. Os estímulos chegam ao cérebro através de neurônios olfatórios que carregam os sinais que o cérebro traduz em sensações para nós.
 
Uma pessoa resfriada, sofrendo com a constipação de suas narinas, terá sua degustação prejudicada. Também pode sair prejudicado o indivíduo que sofrer de anosmia, que é uma “cegueira olfativa” que impossibilita a detecção de diferentes cheiros.
 
Já deu pra perceber o tamanho da importância do aroma na degustação de cervejas, não é?
 
Assim como falamos nos tópicos anteriores, conhecer o estilo da cerveja que vai ser degustada também pode antecipar muitos dos aromas que podem ser encontrados ao serví-la. Peguei mais uma vez as Diretrizes de Estilo para Cerveja do Beer Judge CertificationProgram (BJCP) de 2008 e escolhi um estilo para investigar o aroma. Abri na página sobre a Weizen alemã.  Veja o que o BJCP diz sobre os aromas desse estilo:
 
- “Fenólico (normalmente cravo) e ésteres frutados (normalmente banana) de moderados a fortes. O equilíbrio, assim como a intensidade dos ésteres e compostos fenólicos pode variar, mas os melhores exemplares são razoavelmente equilibrados e proeminentes. Caráter de lúpulo nobre varia de baixo a ausente. Aroma de trigo de leve a moderado (que pode ser percebido como pão ou cereais) pode estar presente, mas não outras demais características de malte” (...).
 
A descrição segue apontando algumas substâncias que não devem estar presentes ou aromas opcionais aceitáveis para o estilo. Mas o que lemos já foi o suficiente pra ter uma bela ideia do que essa cerveja pode apresentar em aromas para quem vai prová-la.

Pesquisei um pouco mais sobre os aromas de cravo e banana e li que o aroma de cravo é, de fato, advindo de um composto fenólico. Já o de banana vem da presença de acetato de isoamilo, muito comum em cervejas ALE por ser produzido pelo trabalho das leveduras (fermentos) que geram esse tipo de cerveja. Portanto, o aroma de cravo ou de banana não deriva da adição de desses produtos durante a fabricação da cerveja.
 
Os aromas vão ser produzidos em função do tipo de malte, de lúpulo e de leveduras usadas na fabricação, bem como das proporções em que eles são usados, suas formas de uso e tratamento assim como da sua interação e do seu comportamento durante todo o processo de produção da cerveja. Não sei quanto a vocês, mas o mistério da alquimia dessa coisa toda me encanta muito.
 
Nem sempre os aromas são muito agradáveis. Cervejas do estilo Lambic, que fermentam em tanques abertos sob o ataque de leveduras selvagens, costumam apresentar um aroma caprílico produzido pela ação de fungos. Caprílico nada mais é do que “cheiro de bode”, também associado a ceroso ou seboso. Isso não significa que você nunca deve experimentar uma Lambic. Com uma harmonização bem feita, pode ser uma experiência bastante prazerosa.
 
Os aromas também podem evidenciar defeitos das cervejas. A presença de clorofenol (que tem cheiro de enxaguante bucal ou de hospital) revela a existência de impurezas na cerveja, que pode ser gerada pela contaminação externa das matérias-primas, por embalagens com clorofenóis ou pelo contato da cerveja com cloro. Percebê-lo pode te livrar de uma furada.
 
Você pode perceber os aromas simplesmente cheirando o líquido ao levar o nariz a uma certa distância do copo. Pode agitar um pouco o líquido para forçar uma certa volatização do álcool que trará com ele os aromas. Pode, inclusive, cobrir a boca do copo com a mão (limpa, é óbvio!) pra aprisionar esses aromas enquanto você gira o recipiente.
 
Outra técnica é o retronasal. Você já fez isso outras vezes, aposto. Como faz? Você inspira fundo e prende a respiração. Depois leva um pouco do líquido à boca e, sem engolir, solta o ar pelo nariz. Dá pra perceber aromas que talvez passassem despercebidos.
 
E o fundamental é que, além de poderem provocar sensações muito agradáveis, os aromas antecipam o paladar. O gosto – ou os muitos gostos que podemos experimentar em uma cerveja – surgirão da combinação dos aromas com os sabores percebidos pela arquitetura complexa da nossa boca.
 
Prova essa cerveja! Mas sente os aromas antes, valeu?
 
Abraços,
Diego Moreira

Fontes:

1 - REITENBACH, Amanda. Gestão sensorial de cervejas. Curso de Sommelier de Cervejas. Science of Beer Institute

2 - Beer Judge Certification Program (BJCP - 2008)

2 comentários:

  1. Olá, Diego. Primeiramente, meu parabéns pelo blog! Soube dele hoje e já li todas as postagens. Tenho conhecido há pouco tempo o universo das cervejas especiais/artesanais, e achei seu blog, com informações introdutórias, excelente como fonte de conhecimento confiável e acessível (muitas vezes me deparo com textos herméticos sobre o assunto, avaliações de cervejas que parecem teses de pós-doutorado em engenharia química, etc.).

    [Aliás, meu ingresso nesse mundo das cervejas especiais também é curioso. Sempre tomei as famigeradas Brahmas, Itaipavas e Antarcticas da vida, hábito do qual dificilmente é possível se afastar no ambiente acadêmico, tanto por questões sociais - onde mais encontrar o pessoal, se não naquele boteco ao lado do 'campus'? - ou financeiras - com bolsa de estágio era difícil se dar ao luxo de comprar algo com mais qualidade. Ocorre que, como também sou da área de humanas, tomei conhecimento, há cerca de um ano, das práticas abusivas e eventualmente escravocratas da Ambev, e me revoltei. Naquela altura, achava que era impossível algum tipo de boicote, por sequer saber da existência de outra prateleira no mercado, na qual ficavam as estrangeiras e as de micro e pequenas cervejarias brasileiras. Experimentei uma de lá num dia, depois outra, e hoje continuamente experimento novos estilos, marcas e sabores.]

    Enfim, gostaria de saber quanto ao curso que você menciona na primeira postagem. Dei uma olhada rápida no site e não vi informações exatas sobre os cursos. Você estuda no Rio? Talvez fosse interessante uma postagem nesse sentido, para dar dicas a quem gostaria, como você, de se aprofundar.

    Novamente, parabéns e sucesso com o blog!

    André

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  2. Valeu, Andre. Muito obrigado pelo estímulo. O instituto Science of Beer oferece o curso no RJ mas no momento a turma está em andamento. Haverá nova turma no ano que vem. Se tiver facebook curta a página deles pra saber das novidades. Foi assim que soube do curso. Tem turmas também em Campinas, Floripa e Porto Alegre. Abraços e visite sempre o blog!

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